E então, apresentando a ela o dorso vestido de tecido negro e casca ferida, Animus virou tenro a cabeça de modo a encostar o queixo no ombro direito, contornando o perfil cabisbaixo entre azulejos nodosos ao fundo. A pupila sendo a coitada com os dedos do sol lhe esticando a íris. Animus enrugava os sobrolhos, afirmava os olhos tentando a fotografia da última cena que pudesse, vontade dele, figurar qualquer lembrança anterior ao corpo curvado. Animus implorava um adeus não correspondido. A vida maltrapilha pede piedade à dor. Era certo que eram as solas dos seus pés que pisariam a terra em busca de distância daquela ruína, mas a covardia lhe cabia tão bem. Sentia-se confortável em esquina perdida - mergulhado no dia a dia que se repetia a cada resto de lama que já endurecera no pano da roupa.
Anima ensaiava um desprezo agarrando uma perna a outra, caindo o pescoço em borda oleosa da banheira, acarinhando com as próprias mãos os seios. Por cima do corpo, via Animus estender até ela a aflição pusilânime de querer lembrar somente do esquecimento. A aflição pisulânime. Afundou-se, de súbito, na salmoura. Fechou braços e pernas em posição fetal e a cabeça tentando o abismo do umbigo para que a banheira lhe servisse e a salmoura evitasse a decomposição do consciente. Anima estava percorrendo a visão mórbida de uma porta esmagando a metade da face de Animus, saltando-lhe o olho direito e respingando líquido pardo em azulejos com manchas de caminhos. Com manchas de caminhos, com manchas de caminhos, com manchas de (!)
O caminho queria o tombo dessas almas outorgadas ao repúdio de si mesmas. É inocente inclusive o pulsar do peito que desconhece a inércia. O caminho. O tombo queria a fúria dos dentes libertos das gengivas sem saúde para mastigar. Os não-amados também têm fome. O caminho. O tombo. A fúria queria a tristeza corrompida aliada ao prazer. É possível uma corja infiltrada num âmago. O caminho. O tombo. A fúria. A tristeza queria Cleópatras e cobras. Algumas realidades preferem as pálpebras alongadas. Cleópatras e cobras queriam o perdão nascendo no útero. De nada adianta costurar línguas ou dicionários, todas as coisas existem. Cleópatras, cobras, a tristeza, a fúria, o tombo,
O caminho com manchas. Animus guerreava com o seu corpo que há tanto estava entregue a uma câimbra generalizada. Era como uma tentativa de fuga para o sem-nome que latejava dentro do que fora nem sujeira nem rachadura ou casca e ferida de assemelhava. Alma? Não. O Sem-nome. Seus olhos esbugalhados eram graça para o sol que inflamava, que fazia rebuliço com dedos de fogo. A aflição pusilânime. Nervos ganhando delineações externas que outrora aconteciam soterrados dentro da casca grossa do pescoço. Animus gritava a loucura! Animus era a costela do sem-nome! Animus aguçava o sangue para este atiçar os músculos tão rendidos à vida. Um tirano que segurava um espeto de ferro com brasa no gume. Um tirano que tatuava no próprio sangue uma fenda rubra. A melodia das faíscas e Animus sendo outra mancha no chão. A mancha embalsamada de choro odiando o sal da água que escondia Anima.
A salmoura aos poucos embaçava de Anima a visão. Animus estranhava a religião de ter aonde chegar. Anima, mesmo sem olhos que prestassem, continuava a enxergar a metade sendo inteira destruída. O tirano de boa fé lutava pelo fim do caminho. Anima reconhecia na amargura do sal o seu desprezo que significava a maior nudez, a sua nudez doce.
Animus puxou pelos cabelos ralos Anima das águas, devolvendo a ela o sol rebelde. Anima consentiu o afago e protegeu os seus seios no tecido negro - que doce igual - de Animus.
E então souberam: fizemos amor.