Eu escuto mais no oco ocre. Oco moldado, como se por argila, em paredes tão robustas e pesadas que é irrealizável a locomoção da estrutura que se forma: monumento de dimensão imersível embutido em alguma realidade pequena. O oco é imersível pois é o tudo não-preenchido; é o silêncio povoado que habita. No oco ocre, um estalo singelo de osso, por exemplo, se parece com um alerta. Um alerta para lembrar que o eco do osso esticando no oco ocre é cacofania ao avesso: a repetição do estalo passa a ser o monumento embutido. As paredes dessa estrutura são como águas congeladas em inverno eterno, e meu corpo é fundado no oco ocre tal qual parte inerente da matéria-coisa vazia. Uma palavra pronunciada ou grito estendido ou tosse resvalada ou estouro dado do lado de fora da estrutura moldada é o que aquece a superfície intacta e, na travessia de ambiente, faz-se barulho derretido em gotas.
Ou seja, no meu silêncio despovoado, eu sou o estado gasoso saturando o antes da camada sólida, que se deixa beber o líquido para que haja a companhia. A esse emaranhado físico dou o nome de desconcentração voluntária. Quando se é parte do silêncio, não existe atenção no que rege o pensamento de reconhecer o que se era, pois, o formato e a textura do corpo foram esquecidos e pouco importam as mãos se o tato já está fragmentado em oco ocre. O pensamento é uma palavra ou grito ou tosse ou estouro engolido. A sensação é de um formigamento eufórico porque é como transcender o poder de ser e ainda estar acompanhado de um raciocínio, mesmo este provocado por uma concentração fugida à gênese própria.
À surdina do real, a sensação menos importante é a perplexidade humana. À medida que se enlouquece a sensação hebraica, tão antiga, de mergulhar no silêncio e descobrir-se ainda respirando, as espadas ajuizadas fincam o pensamento numa vertigem subjetiva como se elas fossem pregos em madeira seca. Um acumulado de idéias surge à mente e o mundo parece imortal: não existe a pressa de definição de alma e de entendimento ontológico. Eu escuto a vida sem a necessidade de estar viva, eis a força do oco ocre.
O surreal só terá desfecho quando houver um estrondo. Um estrondo que quebrará o gelo das paredes e que me levará ao engasgo. Aos soluços serei obrigada a buscar o insólito da realidade existida. Isso exigirá uma atenção para distinguir se, depois do tempo corrido, eu ainda vivo ou se já morri.
O novo silêncio - o silêncio despovoado que não habita, mas que deixa um vazio descarnado - será de descoberta. Cairei na desconcentração involuntária: a palavra falando, o grito se desesperando, a tosse asfixiando, a bomba explodindo e meu pensamento, ao invés de ser fisgado por esses acontecimentos, fisgará a idéia em mim e tudo será eu: eu falando, eu me desesperando, eu me asfixiando, eu explodindo:
Há a carência de sentido humano. Será preciso caber a alma em mim para que eu me sirva em alguma realidade, ora a que me faça continuar inflando a insanidade e suspirando o inverso, ora a que me engolfará a pulsação cardíaca e me tornará a fantasma de meus anseios, provocando o meu desespero vivo de querer a morte na vida oculta. A atenção absoluta em mim será a concentração involuntária e a deslealdade dos meus monólogos entorpecerá a minha mente, que já esquizofrênica.
Na mania de não suportar a ingratidão do tempo, sonharei a concentração voluntária com a esperança de dormir soterrada em alguma nostalgia vital, que será tão real quanto viver estando viva.