sexta-feira, junho 12, 2009

De mim

Rasgo o maço de cigarros já aberto com primazia & esperança. Era necessário que a surpresa que eu viria a suspirar constasse um pouco ou mais de três ou qualquer número ímpar de cigarros que me satisfizesse suficientemente para continuar a ainda tentativa de prosar o que dentro pede vida em linhas.
-- A conta não levou em consideração o cigarro que fumava a si mesmo no cinzeiro.
Sinto como se esta ponte verborrágica esteja sendo o primeiro gozo trazido de uma enferma inspiração. Quiçá os ponteiros marcando uma madrugada infante estejam me excitando um temor que eu sabia que me acompanharia nessa dinâmica solitaire. A dialética simplicidade comprando briga com a câmera ardente dos olhos de meus pulmões tão e miseravelmente poéticos. E quem foi que disse que poesia era coisa simples.
Não duvides tu que eu não seja a mulher das flores. Entretanto, que fique desenhada à lâmina a mulher que supõe a paz de espírito no momento em que mãos masculinas a levarem ao jardim. Pode parecer ingrato o meu sorriso não ser capaz de servir agradecimento perante a sinceridade de pétalas, mas, te digo, sempre ensaiei esses meus cabelos longos de modo que transpareçam a meiguice que inventei de mim. Algo como se fossem fios de uma vaidade de camponesa, a dona das manhãs invertidas que agüenta o sangue nas veias no campo, era uma vez. E pensar que quando fomos (de ser) tantas - que poucas - vezes, tu não me indicaste a placa-mãe de sejas como és e, talvez por isso, tu próprio não saibas lidar com tua fome inata (que prezo, que quero presa). Se parto dessa premissa última, posso até com o perdão a ti - que te mostras um mosaico sabido de homem, carne, tempo e páginas rimadas. Essa tua rotina de me agradar com broche de flor azul-marinho, cartas inesperadas em folha rosa-ballet, adesivos pueris, número de porcelana servindo de metáfora literária e também de analogia ao primeiro toque ontológico de uísque de tu em mim e de mim em ti na esquina de nossa casa me deixa impotente a seguir me sendo. (De nossa casa, de nossa casa, de nossa casa.) É cômica e de uma aparência corrompida a distância que se deita entre o teu leito da Augusta e o meu da rua Antônio Carlos. Para não dizer patética, pois. Que, nesses dois anos respirando pela ajuda do coração do Diabo de São Paulo, é imbecil o destino por não ter produzido uma troca nossa de sentidos na fila do cinema Unibanco ou Belas Artes, na livraria, no sebo, nos bares da solidão ou mesmo nas mesquinhas & indolentes faixas de pedestres da Avenida Paulista. Não sei dizer se minhas mãos de piano sonharam com a textura da tua barba de tímidos pêlos brancos. Em contrapartida, posso rigorosamente dissertar que teus olhos de vidro me comendo naquele sábado de mágoas me foram palco de insônias de inverno durante a minha marcada adolescência. Os meninos do colégio nunca me acalmaram o grito rebelde, tampouco as meninas doces de vulvas rosadas. Procurei desesperada e por becos de túneis – feito filha de cigana que sempre almejou o além da liberdade do berço que lhe deu cuidado transviado -, o dicionário dos rapazes de camisa xadrez, das revoluções políticas e da poesia romântica & exaltada que eu lia nos livros roubados da biblioteca.
A lágrima piedosa desce feito navalha no branco do meu rosto quando levo a cabo que todos esses meus pecados de menina sem futuro revelam que o que o meu agora cruento quer no calendário são os teus ossos pesados fazendo amor no escuro com as minhas narinas alargadas. No escuro. Arrebentando-me a tez apática de não saber amar e estar pesadamente fadada a não saber ser amada.
Pobre de mim de mim de mim de mim de mim de mim, Dimitri, que ao negar introspecção da fala de sondagem psicológica reino, aos tropeços ritmados pelo silêncio que te/me sufocam os fins noturnos, a camada tênue do sonho-pesadelo. As minhas palavras combatendo às suas próprias significações literais são fracassadas por dançar o sentido que não bate nunca à porta. A minha testa clama ser quadro impressionista quando se põe, assim, em rugas de uma velhice de dezenove anos tão coitada, tão cansada de denunciar a renúncia de existir a dois. Quem sabe quando tu cavares no meu ventre alguma podridão que te seja característica, eu encontre, enfim, a permissão de dar a luz ao meu eu mefistofelesmente verdadeiro. E, por favor, não te assusta. Que, juro, o monstro de mim tem a delicadeza dos ventos de outono & assovia notas tristes nas calçadas do teu país.