sexta-feira, abril 30, 2010

Vivendo de outras vestimentas

Sinto que A Dibuk de mim foi parasitar n'outro espírito. Dessa ausência, outras inquietações entraram em ascenção. Não decidi abandonar as publicações neste endereço, a vida é quem tomou partido. E, de repente, quatro meses se passaram sem qu'eu desse as caras por aqui. O hábito de escrever diários também se encarregou de me desviar a veia literária. __________________________________________________ Embora eu continue fugindo das vitrines, 'inda gosto de andar nua por aí: De sóis noturnos

domingo, dezembro 27, 2009

O meu vício em romances ingleses obscenos

“Ergueu o vestido de Constance acima dos seios e os beijou suavemente, sugando os bicos retesados.

-- Ah, Que bom, como é bom! – murmurou de súbito, esfregando o rosto em seu ventre com prazer.

Constance passou o braço ao redor do corpo dele, sob a camisa; mas tinha medo daquele corpo esbelto, liso e nu, que parecia tão possante; tinha medo de seus músculos violentos. Tinha medo.

Quando ele lhe disse, quase num suspiro, “Como é bom!”, qualquer coisa em Constance arrepiou-se e qualquer coisa em seu espírito retesou-se, pronta para a resistência – resistência àquela terrível intimidade física e à pressa de posse do macho. E dessa vez não se atordoou no êxtase agudo de sua própria paixão. Permaneceu alheia, com as mãos inertes ao redor do corpo do homem em movimento; e, por muito que fizesse, não podia evitar que seu espírito analisasse com frieza o que se ia passando; o movimento de vaivém daquelas coxas lhe parecia grotesco, como lhe pareceu risível o frenesi do pênis afobado ao chegar à sua pequena crise de ejaculação. O amor, então, aquilo? Aquele sobe-e-desce de nádegas? Aquele entra-e-sai do pobre pênis pequenino, insignificante, úmido? Amor, o divino amor! Afinal de contas, os modernos tinham razão em seu desprezo por essa comédia, porque aquilo era uma comédia. Bem dizia o poeta: “O Deus que criou o homem devia ter um sinistro senso de humor, para fazer dele uma criatura de razão e ao mesmo tempo obrigá-lo a essa postura grotesca – e também impeli-lo a, cegamente, desejar tão ridícula comédia.”

Frio, irônico, seu curioso espírito de mulher ficava alheio àquilo e, embora se conservasse perfeitamente imóvel, seu instinto a impelia a se erguer, escapar do homem e fugir àquele braço e às estocadas de pilão das ridículas ancas que a cavalgavam. Aquele corpo de homem era uma coisa absurda, desagradável, inacabada, impudente, grosseira. Quando a humanidade fosse mais evoluída, teria de suprimir tal comédia, eliminar semelhante “função”.

E, apesar disso, quando Mellors acabou e ficou em cima dela, tranqüilo e silencioso, num afastamento estranho, longe, tão longe dela, Constance começou a chorar em sua alma. Sentia-o refluir, refluir para longe dela, e abandoná-la como um seixo na praia. Mellors retirou-se, abandonava-a em espírito. Ela o sentiu.

-- Dessa vez falhou – disse ele. – Você esteve ausente.

Ele havia percebido! E ela chorou mais forte.”

Página 211-212, O amante de Lady Chatterley – D. H. Lawrence.

terça-feira, dezembro 15, 2009

Falsa Valsa

Tu confundiste os murros que dei na tua porta com a tua música que atingia, inclusive, os ouvidos do mendigo da calçada em frente à tua janela. Então, a cena: tu dançavas a valsa da vida enquanto eu socava a porra da madeira que impedia os meus olhos de se estenderem ao desatino dos teus.

Desde o primeiro momento em que eu resolvi te reparar, tua face pálida já condenava o teu sangue deficiente & opaco. Contudo, eu tenho o costume repulsivo de investigar o que excita o meu ódio. A faculdade da razão é condecorada somente nas situações em que a possibilidade de transgressão adverte o maior perigo. Fora esta condição, viver não passa de um acaso desmerecido. Em outras palavras, eu sinto fome da tua falta de fome. Construo uma pré-realidade, que não pode ser entendida invenção por justamente ser capaz de me saciar os ânimos como se numa sublimação, ao sonhar o pincel revelando a mentira do teu sistema nervoso.

Quero te ver ruborizar inteiro mesmo que para isso eu tenha que cometer o ato pueril de atribuir à tinta guache a função de sangue vivo. No entanto, guardei esta pré-realidade embaixo do travesseiro das insônias porque, escuta bem, já faz um tempo que o vermelho escorre das minhas mãos em punho. Tu sabes da merda que fizeste ao confundir os murros que dei na tua porta com a tua música que tocava alto, muito alto? Aposto que se tu tivesses me notado ali, quase desmontando a porta & a mim, tu poderias ruborizar essa tua cara nem que fosse por medo de mim. Nem que fosse por um ato de lamento à minha mania de lidar com o hoje unindo as minhas definições dicotômicas de pré-realidade & pós-realidade. A minha vida não cabe na seqüência patética dos pulmões: a minha vida não inspira para expirar e assim sucessivamente. Ou eu vivo numa espécie de vômito ou vivo asfixiada.

Eu queria fazer brotar na tua pele a sensação de incêndio. Eu queria que tu sentisses todas as realidades fincadas na tua cólera de se saber vivo. Porque viver dói, meu amor. Não se dança a valsa da vida, dança-se a falsa vida que nos toma entorpecendo os detalhes reais. E eu não sei mais sobre o que escrevo. Peço, por fim, que tu desculpes a minha coragem de ser & que tu continues infiltrado na tua música ensurdecedora. Guardarei o pré-amor por ti junto à pré-realidade: embaixo do travesseiro das insônias.

quinta-feira, novembro 12, 2009

Feitos da mesma carne

(Diego e eu - Frida Kahlo, 1949)

segunda-feira, novembro 09, 2009

E se tu me (...)

Eu queria me inventar outra para que tivesses em mãos uma coisa certa e calma. Diferente do destrambelhado funcionamento dos meus pensamentos fluidos, da desorientação dos meus olhos de veias vinho-chassis bem delineadas, do preparo do avesso que em vão tento para te receber. Talvez tu devesses captar o grosso que me custa para então sorrir.
Não é tão pura a manhã da minha janela. Aliás, saibas tu que manhãs que me dão calafrios. Detesto que o mundo combinou o sol do leste com o despertar do que é vivo. É ofensivo dividir o que se é com toda uma conspiração de humanos, prédios, carros, fábricas indo e vindo e sendo. Embora, sim, o maior castigo seja o enfrentamento que se força à manhã e reconhecer nisso tudo a impossibilidade do toque. Eu não possuo a manhã. Tampouco o contrário. Somos, a manhã & eu, inimigas mútuas em presença. (E fãs cegas uma da outra em ausência.)
Hoje sinto vontade de me maquiar para ti, mas estou sem olhos. E se tu me emprestasses os teus?
Sou a mitologia de deuses mortais & anti-heróis.

sexta-feira, setembro 25, 2009

Catarse & Catarro

Com a fúria dos dedos
Quebrei o esmalte cor tomate
No chão de madeira.
.............................................
Esfreguei, então, a minha pele
Branca do rosto
& os cabelos ruivos
No catarro sanguíneo da Impala:
..............................................
A cena da glória de um sono letal;
O purgatório das horas maquinadas
À catarse reversa
De mim.

terça-feira, setembro 15, 2009

Reconhecimento do amor

"(...)
Descansei em ti meu feixe de desencontros
e de encontros funestos.
Queria talvez - sem o perceber, juro -
sadicamente massacrar-se
sob o ferro de culpas e vacilações e angústias que doíam
desde a hora do nascimento,
senão desde o instante da concepção em certo mês perdido na História,
ou mais longe, desde aquele momento intemporal
em que os seres são apenas hipóteses não formuladas
no caos universal
_______________________________
Como nos enganamos fugindo ao amor!
Como o desconhecemos, talvez com receio de enfrentar
sua espada coruscante, seu formidável
poder de penetrar o sangue e nele imprimir
uma orquídea de fogo e lágrimas.
Entretanto, ele chegou de manso e me envolveu
em doçura e celestes amavios.
Não queimava, não siderava; sorria.
Mal entendi, tonto que fui, esse sorriso.
Feri-me pelas próprias mãos, não pelo amor
que trazias para mim e que teus dedos confirmavam
ao se juntarem aos meus, na infantil procura do Outro,
o Outro que eu me supunha, o Outro que te imaginava,
quando - por esperteza do amor - senti que éramos um só.
_______________________________
(...)
Levou tempo, eu sei, para que o Eu renunciasse
à vacuidade de persistir, fixo e solar,
e se confessasse jubilosamente vencido,
até respirar o júbilo maior da integração.
Agora, amada minha para sempre,
nem olhar temos de ver nem ouvidos de captar
a melodia, a paisagem, a transparência da vida,
perdidos que estamos na concha ultramarina de amar."
_______________________________
In Amar se aprende amando, Páginas 13-15, Carlos Drummond de Andrade.

Charm'erda

Da janela,
o meu nome atravessa.
Da cama,
os olhos acalentam o ambiente externo.
Não vejo nada além
de rua e calçadas devotas ao frio.
Os ninguéns que cantam as sílabas
tão sabidas por mim.
Desisto do destrambelho
que devora os ossos de um búfalo morto.
Viver para quê, pergunto.
Convertem a questão num eco,
tenho então resposta.
Desdizer é tão mais sábio que filosofias de séculos
romantizados anos-luz.
Se eu me chamasse Conceição,
Seria negra & corpo.
Viveria de esquinas escuras
& de circos sem palhaços.
Função: embebedar de porra
As bocas masculinas.
Nunca ser capaz de gestar humano nenhum.
Mas, inclusive, fazer ninho do desespero
Com a coragem desfalecida de rumo padronizado.
Esse hospício que ganha versos
É feito de cidades-estados
De manchetes dos jornais de merda.
Espetáculos dos dinheiros higiênicos!
Que absorvam suas tolas almas
com o humor negro
de uma poesia anacristinacesariana.

Não contavam com a minha astúcia!

Tornei-me também uma Chapolin Colorado:
Sigam-me os bons!

quinta-feira, setembro 10, 2009

Sonhei com a Lou

...e foi como Rilke retratou: "És meu dia de festa. Quando te encontro em sonho, sempre tenho flores nos cabelos”.

Lou Salomé, Paul Rée e Nietzsche

quinta-feira, agosto 13, 2009

Café derramado

Quero ser Chico.
"Não sei por que você não me alivia a dor. Todo o dia a senhora levanta a persiana com bruteza e joga sol no meu rosto. Não sei que graça pode achar dos meus esgares, é uma pontada cada vez que respiro. Às vezes aspiro fundo e encho os pulmões de um ar insuportável, para ter alguns segundos de conforto, expelindo a dor. Mas bem antes da doença e da velhice, talvez minha vida já fosse um pouco assim, uma dorzinha chata a me espetar o tempo todo, e de repente uma lambada atroz."
BUARQUE, Chico. Leite Derramado, I0.

sexta-feira, julho 31, 2009

Birds; also: Birds, Fish-Snake and Scarecrow

(Max Ernst, 1921)

No copo, água mineral fluoretada e litinada ao invés de.

É possível, como num narcisismo crônico, olhar-se existindo quando os meses eram de data distante e, nesse influxo da memória, reconhecer-se no outro que ainda se é para, depois, abraçar com os olhos o espelho daquela dor?
(eu sou feita do sopro do vento)

Terça-feira, 29 de Julho de 2008

Censurei as muitas cadeiras sendo livres, o maior número de mesas reinando apenas um ou dois casais de garrafas de cerveja, os garçons conferindo as unhas ou agarrando o cansaço de não ir e vir com cardápios, pedidos, copos, cinzeiros e porções ao cruzarem os próprios braços.
Havia toda uma desventura em existir naquele domingo de inverno antártico, numa Augusta carnavalizada por desapegados enjaulados em raízes d’alma, amanhecendo a perdição nos balcões desesperados por lucro – o meu infortúnio abrindo e fechando os caixas.
E censurei alguns rostos que se portavam fielmente à altura da incompreensão de meus olhos ou do escândalo da freqüência dos cigarros na minha mão seguida do pulso sem o peso do relógio. A mão que não fossem o teu mindinho e polegar maiores ou não fosse o meu dedo médio avantajado seria de dimensão idêntica à tua, e os cigarros que não fosse a prontidão do isqueiro que me presenteaste seriam acesos pela combinação gás e faíscas de meu fogão. É certo – e moralmente inadequado – que continuo a desvida de meu tabaco por ti, mas tu pouco fazes noção que a minha ida à cozinha por suplício à ardência da chama era a esperança de me esbarrar contigo pelo corredor.

Incompatibilidade de Gênios

''Dotô, jogava o Flamengo, eu queria escutar.
Chegou, mudou de estação, começou a cantar.
Tem mais: um cisco no olho, ela em vez de assoprar, sem dó falou que por ela eu podia cegar.
Se eu dou - um pulo, um pulinho - um instantinho no bar...Bastou!
Durante dez noites me faz jejuar!
Levou as minhas cuecas pro bruxo rezar!
Coou meu café na calça prá me segurar!
Se eu tô devendo dinheiro e vem um me cobrar...
Dotô, a peste abre a porta e ainda manda sentar!
Depois, se eu mudo de emprego que é prá melhorar, vê só, convida a mãe dela prá ir morar lá!
Dotô, se eu peço feijão... ela deixa salgar.
Calor, mas veste o casaco prá me atazanar!
E ontem, sonhando comigo, mandou eu jogar no burro...
E deu na cabeça a centena e o milhar!
Ai, que-ro-me-se-pa-rar"
(João Bosco e Aldir Blanc, 1976)
Incompatibilidade de Gênios: o meu com o do mundo.

quinta-feira, julho 09, 2009

Envelope eletrônico para Luís Lima

"melhor viver, meu bem, pois há algum lugar em que o sol brilha pra você
chorar, sorrir também e dançar... dançar na chuva quando a chuva vem"
Cordão umbilical une a certeza de almas para sempre. E, sabe, acho que temos, você e eu, coração-bilical. Ou algo que o valha e que sirva pra dizer sobre a posse de um 'coiso' que pulsa a mesma alegria de viver e de morrer & todos os outros fundos dos mundos. Meu grande pequeno Lu de lua e Lu de luz, tão energia pululante, tão crescente, tão minguante, tão cheio, tão novo (& velho). O Lu do aniversário de dezessete anos que eu deixei pra lá pra me desculpar os pecados indo à aula que de nada valia. Nem nunca valeu pois sempre o que vale é o que é capaz de entrar em sintonia. E tudo volta pra ti e pra mim. É sintonia incrível num universo paralelo do Tim. Sim, sintonia sem fim: assim - quase indecifrável e quase indescritível se não fôssemos poetas. Não obstante, já que o somos, inventamos além do que no real cabe pois sabemos que nunca suportaremos o que cabe tímido nas horas, nos ternos, nas imagens em movimento. Caber o que foge os sentidos nos é destino desde que ser é sendo e que sendo acabamos no somos do cosmos. O que quero que teus olhos me aconteçam como ponte para o surrealismo do teu aparelho pensante & almístico é justamente que o amor que você, neste exato instante, caminha com os teus 360º das pupilas é muito maior aqui - de célula em célula - sendo, quando ele só é. Por isso, peço - escorregando em gotas - que não pare a dança. Que exista nos mesmos quatro céus que o meu grito rebelde porque desse modo posso com a fossa sul-matogrossense (essa faz rima, ironia!, com circense), paulista, curitibana, pré-parisiense.
(te amo tanto que só dói porque é bonito em covardia - de tão muito, assaz e em demasia)

quinta-feira, julho 02, 2009

2 & 3

O punho no duro da mesa
E a pétala morta cai de cabeça
Se gravidade tivesse altura
A rosa ainda vive na angústia
'Que sem água existe às avessas
Sendo mistério p’ro detetive das certezas
Outro sem por que
É o início dos indícios
Que pra ela é discurso depois luxo
E pra ele é de nota sem papel
Sanfona indo e vindo p’ras cinturas do bordel
Satírica, lírica, quase sacra e estúpida
É a poesia que serve de broquel
Do ar pulmões e alvéolos
Dos dedos corda e véu
Da voz o que vem sai de mim feito fim
Que sem sim é assim
Meio não, meio de sentimento em gira-pião
Que tonteia em função de sentimento
Que direciona os olhares vesgos no segundo lento
O que é morrer para viver
Se a vida endurece se o tempo,
Ao invés de parar, só faz correr?
O que é a vida do ser
Se não se é só
Se só se é dois e três?

sexta-feira, junho 12, 2009

De mim

Rasgo o maço de cigarros já aberto com primazia & esperança. Era necessário que a surpresa que eu viria a suspirar constasse um pouco ou mais de três ou qualquer número ímpar de cigarros que me satisfizesse suficientemente para continuar a ainda tentativa de prosar o que dentro pede vida em linhas.
-- A conta não levou em consideração o cigarro que fumava a si mesmo no cinzeiro.
Sinto como se esta ponte verborrágica esteja sendo o primeiro gozo trazido de uma enferma inspiração. Quiçá os ponteiros marcando uma madrugada infante estejam me excitando um temor que eu sabia que me acompanharia nessa dinâmica solitaire. A dialética simplicidade comprando briga com a câmera ardente dos olhos de meus pulmões tão e miseravelmente poéticos. E quem foi que disse que poesia era coisa simples.
Não duvides tu que eu não seja a mulher das flores. Entretanto, que fique desenhada à lâmina a mulher que supõe a paz de espírito no momento em que mãos masculinas a levarem ao jardim. Pode parecer ingrato o meu sorriso não ser capaz de servir agradecimento perante a sinceridade de pétalas, mas, te digo, sempre ensaiei esses meus cabelos longos de modo que transpareçam a meiguice que inventei de mim. Algo como se fossem fios de uma vaidade de camponesa, a dona das manhãs invertidas que agüenta o sangue nas veias no campo, era uma vez. E pensar que quando fomos (de ser) tantas - que poucas - vezes, tu não me indicaste a placa-mãe de sejas como és e, talvez por isso, tu próprio não saibas lidar com tua fome inata (que prezo, que quero presa). Se parto dessa premissa última, posso até com o perdão a ti - que te mostras um mosaico sabido de homem, carne, tempo e páginas rimadas. Essa tua rotina de me agradar com broche de flor azul-marinho, cartas inesperadas em folha rosa-ballet, adesivos pueris, número de porcelana servindo de metáfora literária e também de analogia ao primeiro toque ontológico de uísque de tu em mim e de mim em ti na esquina de nossa casa me deixa impotente a seguir me sendo. (De nossa casa, de nossa casa, de nossa casa.) É cômica e de uma aparência corrompida a distância que se deita entre o teu leito da Augusta e o meu da rua Antônio Carlos. Para não dizer patética, pois. Que, nesses dois anos respirando pela ajuda do coração do Diabo de São Paulo, é imbecil o destino por não ter produzido uma troca nossa de sentidos na fila do cinema Unibanco ou Belas Artes, na livraria, no sebo, nos bares da solidão ou mesmo nas mesquinhas & indolentes faixas de pedestres da Avenida Paulista. Não sei dizer se minhas mãos de piano sonharam com a textura da tua barba de tímidos pêlos brancos. Em contrapartida, posso rigorosamente dissertar que teus olhos de vidro me comendo naquele sábado de mágoas me foram palco de insônias de inverno durante a minha marcada adolescência. Os meninos do colégio nunca me acalmaram o grito rebelde, tampouco as meninas doces de vulvas rosadas. Procurei desesperada e por becos de túneis – feito filha de cigana que sempre almejou o além da liberdade do berço que lhe deu cuidado transviado -, o dicionário dos rapazes de camisa xadrez, das revoluções políticas e da poesia romântica & exaltada que eu lia nos livros roubados da biblioteca.
A lágrima piedosa desce feito navalha no branco do meu rosto quando levo a cabo que todos esses meus pecados de menina sem futuro revelam que o que o meu agora cruento quer no calendário são os teus ossos pesados fazendo amor no escuro com as minhas narinas alargadas. No escuro. Arrebentando-me a tez apática de não saber amar e estar pesadamente fadada a não saber ser amada.
Pobre de mim de mim de mim de mim de mim de mim, Dimitri, que ao negar introspecção da fala de sondagem psicológica reino, aos tropeços ritmados pelo silêncio que te/me sufocam os fins noturnos, a camada tênue do sonho-pesadelo. As minhas palavras combatendo às suas próprias significações literais são fracassadas por dançar o sentido que não bate nunca à porta. A minha testa clama ser quadro impressionista quando se põe, assim, em rugas de uma velhice de dezenove anos tão coitada, tão cansada de denunciar a renúncia de existir a dois. Quem sabe quando tu cavares no meu ventre alguma podridão que te seja característica, eu encontre, enfim, a permissão de dar a luz ao meu eu mefistofelesmente verdadeiro. E, por favor, não te assusta. Que, juro, o monstro de mim tem a delicadeza dos ventos de outono & assovia notas tristes nas calçadas do teu país.

domingo, maio 31, 2009

Outra Carta ao Absurdo

a manhã de hoje, no sentido da janela e depois cortina para então matizar os lençóis de ressaca da minha cama, foi vermelha. e é tua a culpa da hemorragia. também de Chico, que cantava as saudades e os pedaços quando tuas palavras de confortar vigília antiga brotaram na tela seca do celular. vermelho é cor de perigo e de desejo (e o meu épico amor por precipícios). sei que a regra é o desapego (''São Paulo, transição, antigamente eu era o Tomas escrito e encarnado, feriados & Rio de Janeiro, família, tia, almoços de domingo na Liberdade, liberdade, liberdade, liberdade, a insustentável leveza do ser''), mas acho que começo a fabricar desenhos antropomorfos na fotografia da memória. (fica de aviso e servindo de uma desculpa tua pr'um sumiço qualquer). animais em homens, o instinto tomando forma. entretanto, que fiquem as linhas feito Montrachet, tragadas & (engo)lidas com maestria: eu sei da poesia e inclusive do seu grand finale - sei do jogo bem jogado, Moço dos trinta.
te mordo leve, bem leve,
''Ela saiu da livraria (só agora me dou conta de que era como uma metáfora, ela saindo nada menos do que de uma livraria) e trocamos duas palavras e fomos tomar um copo de pelure d'oignon num café de Sèvres-Babylone (falando de metáforas, eu era porcelana delicada recém-desembarcada, HANDLE WITH CARE, e ela era Babylone, raiz do tempo, coisa anterior, primeval being, terror e delícia dos inícios, romantismo de Atala, mas como um tigre autêntico, esperando por trás da árvore). E, assim, Sèvres foi, com Babylone, tomar um copo de pelure d'oignon, olhamos um para o outro e penso que já começávamos a nos desejar (mas isso foi mais tarde, na rue Réaumur), e sucedeu um diálogo memorável, absolutamente recoberto de mal-entendidos, de desajustes que se solucionavam em vagos silêncios, até que mãos começaram a marcar, era doce acariciar as mãos, olhando um para o outro e sorrindo, acendíamos Gauloises na ponta do cigarro do outro e vice-versa, esfregávamo-nos com os olhos, estávamos tão de acordo com tudo que era até uma vergonha, Paris dançava lá fora, nos esperando, tínhamos acabado de desembarcar, começávamos a viver, tudo estava ali, sem nome e sem história (particularmente para Babylone, e o pobre Sèvres fazia um enorme esforço, fascinado por aquela maneira com que Babylone olhava o gótico sem colocar-lhe etiquetas, com que andava pelas margens do rio sem ver passar os drakens normandos). Quando nos despedimos, éramos como duas crianças que tinham se tornado estrepitosamente amigas numa festa de aniversário e que continuavam olhando uma para a outra enquanto os pais as puxavam pelas mãos, arrastando-as para a rua, e isso é uma dor doce e uma esperança, e sabe-se que um se chama Tony e a outra Lulu, e basta para que o coração seja como uma fruta, e...
Horacio, Horacio.
Merde, alors. Por que não? Falo daquele tempo, da Sèvres-Babylone, não deste balanço elegíaco no qual já sabemos que o jogo foi jogado.''
(Página 490, Capítulo 93 - O jogo da amarelinha, Julio Cortázar.)

A castidade com que abria as coxas

"A castidade com que abria as coxas
e reluzia a sua flora brava.
Na mansuetude das ovelhas mochas,
e tão estreita, como se alargava.
Ah, coito, coito, morte de tão vida,
sepultura na grama, sem dizeres.
Em minha ardente substância esvaída,
eu não era ninguém e era mil seres
em mim ressuscitados. Era Adão,
primeiro gesto nu ante a primeira
negritude de corpo feminino.
Roupa e tempo jaziam pelo chão.
E nem restava mais o mundo, à beira
dessa moita orvalhada, nem destino."
(Carlos Drummond de Andrade in O amor natural)

sábado, abril 11, 2009

Eco

A noite anterior quis me alertar sobre os capítulos que me desfaço antes mesmo da mão envolver a caneta. A noite tossiu tuberculosa. Tosses evocadas de gritos ainda colados às paredes que outrora protegiam a minha rebeldia adolescente. Não é verdade que todo o meu passado me possui. A ilustração é de uma ponte perfurando o meu ventre: é possível que se atravesse sem maiores repercussões. Um palco para escândalos que se locomovem para o longe-cego. É defeituoso o processo de existir cabendo nos dias em seqüência. Costumo filtrar tão mais fundo o sulco de uma fantasia do que o contrário. Faço filme do sofrer sem o cenário das causas. Falta substância nessa coisa que passa e que dizem perdurar inconscientes encarnados. O alerta notívago me impede a calma - eu sei sentindo o vermelho dos olhos -, mas é menos pesado ter o vazio em mãos do que a própria caneta.
-- Que a noite me tenha sem delírios de mim. (sussurro dito sem quase haver movimento de lábios)

sábado, abril 04, 2009

Sobre Verborragia Paralítica

(cinco páginas & meia de confissões de mercúrio resolvem morada no vão da unha esquerda do meu primeiro pododáctilo)
o avançar se dá em camadas internas quando os pés falham. deitada em mim, do outro pouco sei as aparências. o outro inclui toda uma vida de começos e fins - então me salvo. não escrever para que haja mais sono, pois.

segunda-feira, março 09, 2009

Tanto Teto Tudo Tato

É que quando chega às 3h37 e do sono nem sinal, fico pensando no infinito da madrugada enquanto o teto cobre a tua cabeça e a minha. E ainda em como é o teu teto; se paisagem para a insônia, se só como se fosse o cobertor de veludo para alguns sonhos & outras anas na cama. Mas tanto faz. Mas tanto teto faz com que eu fique assim, pensando tanto no teto. Talvez seja o medo de domingo, mais pavor do que fobia. Ou não. Talvez eu minta. Acho que a madrugada rouba a boca, o nariz, os olhos dos rostos para a singularidade ficar sem tato. Nem teto. Ou nem tanto.
Num plano transitório, a dimensão das coisas não-físicas vai tomando o vazio espacial à proporção que o tempo diminui e, então, a madrugada torna o ser um gerúndio. Um sendo branco esclerótico & polinômio, embora carente de características. E que anda, caminha lento de uma esquina a outra pelo quarto, atravessa a janela permanecendo estátua de gente nenhuma & sem data na linha do tempo dos livros de história, e que dedilha estrofes de poesia ao passo que as entonações das entrelinhas apenas são permitidas dentro do branco esclerótico & polinômio pois, lembre-se, não se tem mesmo boca. E porque é madrugada. Tudo tão perigoso e muito mais cruel. E agora cabe a fobia, por ser o medo mórbido sobre algo específico.
Nada no tudo do mundo é tão específico quanto a madrugada, a tal noite alta num silêncio-violino. Quando não é assim - alta madrugada violino noite silêncio -, a vida tira o pijama, troca o vestuário, escova os dentes, pega o ônibus, vai à faculdade, lê Jung, Freud, Psicologia Social, entra no ônibus mais uma vez, passa na farmácia, depois no bar, chega em casa, ouve blues, toma banho, lava a roupa e a louça, dobra e passa a roupa etc.; a vida vive sem quase reparar no relógio. Aí - não num repente mas é sentido como se assim de fato fosse -, o plano transitório & os olhos, boca e nariz fora da órbita usual. Do ser, um sendo. E, a partir do que foi aludido, por exemplo, o ânimo enigmático para a dimensão física do teto que acaba por tirar de cena qualquer ciência incontestável. É na madrugada que se duvida e que a vida toma partido sobre o que marcam os ponteiros. A crueldade ganha a intensidade do superlativo com o seu próprio radical somente no silêncio-violino, podendo, então, ser a crueldade cada vez mais cruel na medida em que o plano transita. 3h37 pode ser fatal na sua infinitude. Atrofiem os ponteiros para que não haja a dança, somente a música do violino sem cordas, sem arco nem mãos. Sem tato, portanto.

terça-feira, março 03, 2009

Lavanderia

se o gelo é de água idosa, o uísque tão amadeirado se prosa
se na máquina de lavar o branco vai com o colorido, de palhaça me visto
se o tempo é de um sim e tantos nãos, o peito like a rolling stone
''when you got nothing, you got nothing to lose; you're invisible now, you got no secrets to conceal! how does it feel (how does it feel) to be on your own with no direction home? like a complete unknown? like a rolling stone?''

segunda-feira, fevereiro 16, 2009

Quando bate o eco mudo na cidade

Os sapatos pisando em falso na crise liquidada. Quantos dois-mil-e-doze faltam para o fim? Não faz verão dentro das costelas; solitária andorinha. Que pendurem a velhice dos calendários na parede. Que minimizem a liberdade à nudez. Que seja como não era, contudo, quando bate o eco mudo na cidade Cérebro, é a sempre vontade de um uísque somado a carteiras e carteiras e carteiras de bastonetes de tabaco que me pendura na cruz do avesso. E não é suplício suicida, nem propaganda do self em cubos de gelo antártico. É u m d i a de fogos arco-íris para a constatação das próximas vinte e quatro horas com síndrome de não prosseguir. Que é que há com o meu sonho acordado? Com as Ritas? As Linas? Com as inspirações que embaraçam os pisos no percurso até o telefone tocando (tocando, tocando, infinito)? Que é que há com a coragem das olheiras sábias? Com o amor-próprio durante o banho milenar? Que é que há com o pontilhado nítido antes do líquido que chora os olhos? Que é que há com você, humano? Para onde levou o pedaço de pedra cintilante que me direcionava os dedos indicadores? Que era o anel-bússola que me descortinava os dentes num riso? Quando tudo vem, a loucura, quando tudo vai, mais loucura, quando tudo mar, eu vou não querendo vir. E se fossem ondas de uísque, para que o eu? Se fossem fossas de uísque, eu não mais sou nem soul: eu-é, eu-ela é, eu-ele é, eu-nós somos. Eu-você me é? O grito existencial é o copo amargo com os 12 anos patinando no gelo, é também fumaça com sangue. A rouca voz fode o silêncio. Toma teus filhos que bebem os meus corações pelos meus seios opacos. Vê que as nossas crianças já nasceram dando passos? Haja crise liquidada. Viva os sapatos que pisam em falso! Ora, felizes três anos para o então dois mil e doze; somente a você a felicidade, somente a você o ano dois mil e doze. Este é o meu último vestido a perambular fundo na cidade Cérebro; não é mágico?

quinta-feira, fevereiro 05, 2009

A língua é um pincel

Existe um lençol úmido de tinta acrílica azul cobalto no corpo caloso da serpente tímida & enrugada que é o cérebro. É respingado o veneno do hipotálamo: compor o talento do comportamento de somente engolir leucócitos. As células assassinas bordando como se em um domingo as minhas caveiras vinho chassis. A floresta, a grama, as miligramas de erva cidreira & camomila em cápsulas lentas; a goela-tobogã passarela a insônia aos soluços.

segunda-feira, janeiro 12, 2009

Operação Israelense

''causou violações maciças dos direitos humanos do povo palestino e a destruição sistemática das infraestruturas''
Somente mais cinco para dezessete dias consecutivos
de bombardeios sentimentalóides
na faixa de Alma.

terça-feira, janeiro 06, 2009

Para Mariana, a Dona dos meus sentimentos morenos

''Lay, lady, lay, lay across my big brass bed
Lay, lady, lay, lay across my big brass bed
Whatever colors you have in your mind
I'll show them to you and you'll see them shine
Lay, lady, lay, lay across my big brass bed
Stay, lady, stay, stay with your man awhile
Until the break of day, let me see you make him smile
His clothes are dirty but his hands are clean
And you're the best thing that he's ever seen
Stay, lady, stay, stay with your man awhile
Why wait any longer for the world to begin
You can have your cake and eat it too
Why wait any longer for the one you love
When he's standing in front of you
Lay, lady, lay, lay across my big brass bed
Stay, lady, stay, stay while the night is still ahead
I long to see you in the morning light
I long to reach for you in the night
Stay, lady, stay, stay while the night is still"
(Lay, Lady, Lay - faixa II - Nashville Skyline (1969), Bob Dylan)

domingo, janeiro 04, 2009

Jukebox '09

A dose, colocando em xeque uma portadora de uma neurosezinha monstruosinha, em momento algum sacia. Nunca absorve ou é metamorfoseada enfim. Mas é chegada a hora que pumba!, acabou, não desce, estancou, não cai profundo, vira losango. Outrora a faixa imperturbavelmente no repeat, como também aquela cena estúpida: desenrola-se o vivido e o contrário disto na grama primaveril do hipocampo enquanto as pálpebras alongadas e o corpo todo brincando de morrer hollywoodimente na cama - tipo videoclipe barato das paradas, tipo película de qualquer sessão cinéfila pós-almoço. Agora a maldita faixa atinge o incorpóreo da fúria, incluindo cabelos & sobrancelhas arrancadas, náusea sartreana, bulimia se escutada após o meio-dia, principalmente no domingo. Não sei se foi o fantasma natalino, calendário mudando o cenário, o mar & o céu azul nordestino, mas a melodia riscada no disco ficou insossa junto ao processo teatral de apaixonite aguda. A dose que ritmava o cérebro já não combina nem com o balcão do bar. Muito menos com a bêbada atrás dele. Põe tudo na conta, Seo Sergim.

quarta-feira, dezembro 31, 2008

Toma os teus ponteiros

Que esse ar que me falta
é o troco dos relógios que invento.
2008, de fato, foi o ano da lama.
Todavia, que venha o vinho,
mais chuva no ninho,
&, por favor, meus corações todos num só umbigo.

quarta-feira, dezembro 10, 2008

Hoje é dia de Clarice, 10 de dezembro de 1920

''Era noite cada vez mais escura e chovia muito. Embora sem vê-lo, reconheceu pela sua respiração pausada que ele dormia. Ficou de olhos abertos no escuro e cada vez mais o escuro se revelava a ela como um denso prazer compacto, quase irreconhecível como prazer, se fosse comparado com o que tivera com Ulisses. Ele estar dormindo ao seu lado deixava-a a um tempo sozinha e integrada. Ela não queria nada senão aquilo mesmo que lhe acontecia: ser uma mulher no escuro ao lado de um homem que dormia.''
(Página 148, Uma aprendizagem ou o livro dos prazeres - Clarice Lispector)

Pneumotórax

''Febre, hemoptise, dispnéia e suores noturnos.
A vida inteira que podia ter sido e que não foi.
Tosse, tosse, tosse.
Mandou chamar o médico:
— Diga trinta e três.
— Trinta e três... trinta e três... trinta e três...
— Respire.
.............................................................................
— O senhor tem uma escavação no pulmão esquerdo e o pulmão direito infiltrado.
— Então, doutor, não é possível tentar o pneumotórax?
— Não. A única coisa a fazer é tocar um tango argentino.''
(Pneumotórax in Libertinagem - Manoel Bandeira)

terça-feira, dezembro 09, 2008

Birds of Paradise

No substituto de outro instante - nessa de mundo numa festa à fantasia, astronautas reagindo à fotoquímica, corações emergindo em escafandros, almas a ver navios piratas -, quando tua mão resolver-se à minha, a paisagem bordará, apenas, uma risada malévola de um Deus.
Do pó, o que o vento não levou. De mim, o sono repetindo as vinte e quatro horas. De ti, a imbecilidade subindo palanques. De nós, as amarras desatadas.

segunda-feira, dezembro 08, 2008

Conteúdo fônico descomplicado p'ro Benzinho

Bota as roupas p’ra lavar, Neguim, sei que tem xícara com café monco esquecida embaixo da cama, tá ouvindo não que o cinzeiro grita o hino por paz? Ó o lixinho atrás da porta, Benhê! Encontrei o Montilla na tua gaveta de cuecas & samba-canções, amor beldo de beldade atrofiada, olhaí o paletó servindo de tapete p’r’esse vira-lata!
Seo Francisco Raimundo, desde quando eu falo grego p’ra’s paredes dessa casa? Vou arredar o pé diss’aqui se em dois palitos não fizer das tripas coração!
Devolva o sorriso p’ra’s minhas rugas, meu Chico, ’que aí nem penso e a gente já cai p'ro suor, fazendo graça no sofá da sala..!
__________________________________________________
(O que é que teu ouvido de tuberculoso quer? Não sei a quantas anda a lógica do dia seguinte, então toma o silêncio da minha língua.)
  • ata-me, ata-me, ata-me, ata-me, ata-me, ata-me,,,
  • domingo, novembro 30, 2008

    4 horas & estômago: mais um ensaio

    Não farei uso de palavras rebuscadas. Tampouco da prolixidade. Com o propósito de aniquilar as referências, deixei inclusive a minha individualidade ao lado do dicionário, ambos posicionados no leito do meu pouco sono. A cama que, embora os lençóis tenham sido lavados e relevados, registra – ainda - o ar do conhaque vindo da tua boca estúpida, por vezes malcriada. Sei que a culpa da tua mediocridade não veio do útero de quem te suporta, quiçá a tua existência fora de fato um mau agouro para o mundo. Não farei insinuações pouco confiáveis; as metáforas se cansaram de mim. Desamarrarei os cadarços de olhos fechados, sem risco de me prosar um fenômeno instintivo. Pendurarei o casaco das mangas ¾ na cadeira em frente – tua suposta residência - neste Vanilla Cafee, como se tu tivesses fugido para resolver as tuas vontades fisiológicas ou para fumar cigarros em outro ambiente, sendo que a escolha da mesa nunca deixou de ser na área de fumantes. Ao invés de cervejas belgas ou canadenses, a garçonete trará chá de maçã com canela. Na cena coadjuvante, de foco míope, humanos sentarão famintos ou sedentos, abastecerão os vícios mesquinhos, tornarão a ausentar-se para que outros repitam sucessivamente os entusiasmos supracitados. Manterei as pernas cruzadas e intactas, fazendo pouco caso das dormências musculares, as mãos atadas uma a outra, a face fechada, os cabelos trançados e a nuca nua – que é para sabotar a queima corporal cuja tomada se dá durante o preparo para deixar de te ser. Quando o regime elabora novas leis, não há quem escape de punições. Então inventarei cláusulas que explicarão sofrimentos de outra estirpe. Atirarei os meus corações nas capas sem porquês das revistas, de modo a anoitecer sendo conteúdo de qualquer inédita notícia. Investirei o meu cansaço anulando o meu saldo bancário com fugas para garagens de rock, para botecos cheirando a meretrizes, para quartos de anônimos, para avenidas de mão dupla. É simples elaborar diagnósticos quando se sofre de todas as doenças sentimentais. Falsificarei portfólios artísticos com a finalidade de surpreender os espelhos. Tu foste a diferença universal dos eus que outrora, passado meses a fundo, definiam-se; tu provocaste a minha usual instabilidade emocional. Quem se é de forma exagerada, clama por terras devastadas & frutos proibidos. Devo ter atingido o exílio de mim quando entreguei a minha insônia a ti. É nítida a minha falta do que fazer com as muitas roupas que deixaste espalhadas em minha casa - vestuários que nunca me serviram nem nunca me protegeram do inverno. Os meus lábios rachados comprovam a ansiedade afagada com cigarros & issos & aquilos. Realmente; é desdenhoso todo o esboço que demora a ser arte finalizada. Acontece que toda esta exposição é o máximo do meu pós-modernismo. Comprarei rosas brancas e as distribuirei aos indigentes, serei Maria das Dores, lerei a literatura alemã de cabo a rabo, serei Joana D’Arc, levantarei o dedo às teorias psicológicas, serei Lou Salomé, usarei três colares no lugar de um, serei de Beauvoir, farei as unhas em lua cheia, serei uma virgem, apreciarei vinhos chilenos da safra de antes de Cristo, serei Anaïs Nin, morarei em hotéis impessoais, serei desconhecida, afogarei os diários no Rio Nilo. Por fim, farei uso de outras incansáveis noites, das descabidas manhãs, da vida que segue sem rumo para, talvez, não mais desmentir os primeiros dois períodos que abriram as falsas cortinas deste mais outro ensaio. Não farei uso de palavras rebuscadas. Tampouco da prolixidade. Balela!

    segunda-feira, novembro 17, 2008

    Catatonismo

    Fazem vinte e um cigarros que eu fumo o meu último nesta insônia.
    (Skull with Cigarette - Vincent Van Gogh, 1886)

    sexta-feira, novembro 14, 2008

    O Retrato dos Hojes

    O hábito da maestria dos pés cujo entendimento máximo é o do recuo. O retrocesso que mesmo cega, que mesmo manca, que mesmo nula, que mesmo chuva eu sou capaz de levar a efeito. Da faculdade ao ponto. Cinco a vinte minutos (se por volta das sete, oito da noite, vinte minutos é pouco): o ônibus. O Ana Rosa veio para o desabrochar. Subo a Cardoso de Almeida com a face enfiada no vidro da janela da condução.

    A cada parada, a cada introdução de gente - cada vez mais gente - no veículo, entro mais a cara no vidro e o nariz achatando e o olho direito esmagando e o pavor - preferia o susto - vindo, vindo. Como se o vidro fosse o abraço materno. Um acalento para o temor da impessoalidade que satura o espaço andante. O medo do próprio é o que eles têm. Eu tenho medo da impropriedade em ser deles. Os humanos não mais se olham. Fogem das olheiras do próximo que é para não se perceberem exaustos iguais. Com uma das mãos agarram firme as suas pastas e bolsas ao terno e tailleur; com a que lhes resta, o suporte que evita mais outro desequilíbrio e, então, vivem a solidão lotada - esta outra uma também desequilibrada. Enquanto a minha cara amarrotada.

    Enquanto, estendida a Cardoso até o extremo de sua extensão, o engarrafamento da Dr. Arnaldo lhes comem e torram a paciência e me remete a um desconforto cotidianizado - tanto pela posição, tanto pela falta de caber. E é assim durante a travessia do túnel para a Avenida Paulista. E é assim na Avenida Paulista. E acaba de ser assim quando vou me desamarrotando para descer no ponto em frente ao Conjunto Nacional. Em terra firme ou quase, desejo-lhes coragem para seguir viagem com as suas economias ontológicas exageradas numa espécie de piedade, Senhor. Curo pavores com compaixão, eis uma verdade nada dialética.

    Agora é esperar na calçada uns três minutos para o farol de pedestre me permitir passagem. Vão carros e motos, vão para bem longe de mim! Já do outro lado da Paulista, sigo reto até a Haddock Lobo, passando pelo inferninho tumultuoso da Augusta, desço a Luis Coelho e viro à esquerda da Antônio Carlos. Mais trinta e sete passos largos e o zelador, Seu João, abre a porta principal. Hall de entrada e a porta do apartamento Dois - assim, bem perto, no térreo. O retrocesso costumeiro que me leva a outros mil em matéria de pensamento. O canto inseguro da minha ousadia em ser nua, verborrágica barata e crua de vincos e dobras na face com, sim, olheiras. Mas olheiras de vidro. Vida que não é um abraço materno.

    terça-feira, novembro 11, 2008

    Aconteça

    (Absinthe Drinker, Viktor Oliva) O jornal de domingo continua sendo o de segunda e o de terça. Aconteça!

    Nosso tempo

    _________________________________''(...)II Esse é tempo de divisas, tempo de gente cortada. De mãos viajando sem braços, obscenos gestos avulsos. _________________________________ Mudou-se a rua da infância. E o vestido vermelho vermelho cobre a nudez do amor, ao relento, no vale. _________________________________ Símbolos obscuros se multiplicam. Guerra, verdade, flores? Dos laboratórios platônicos mobilizados vem um sopro que cresta as faces e se dissipa, na praia, as palavras. _________________________________ A escuridão estende-se mas não elimina o sucedâneo da estrela nas mãos. Certas partes de nós como brilham! São unhas, anéis, pérolas, cigarros, lanternas, são partes mais íntimas,e pulsação, o ofego, e o ar da noite é o estritamente necessário para continuar, e continuamos. _________________________________ (...)IV É tempo de meio silêncio, de boca gelada e murmúrio, palavra indireta, aviso na esquina. Tempo de cinco sentidos num só. O espião janta conosco. _________________________________ É tempo de cortinas pardas, de céu neutro, política na maçã, no santo, no gozo, amor e desamor, cólera branda, gim com água tônica, olhos pintados, dentes de vidro, grotesca língua torcida. A isso chamamos: balanço. _________________________________ No beco, apenas um muro, sobre ele a polícia. No céu da propaganda aves anunciam a glória. No quarto, irrisão e três colarinhos sujos. _________________________________ (...)'' _________________________________ Nosso tempo in A rosa do povo - Carlos Drummond De Andrade

    quarta-feira, novembro 05, 2008

    A maçã

    De modo furtivo, intervindo violentamente a idealização da minha estréia em plena decadência do ano 08, resolvo a lobotomia paranormal. O complemento na nominação dada à intervenção cirúrgica, estreante aos ouvidos igualmente, deve-se ao fato de não se tratar aqui da cura para a esquizofrenia, os delírios ou mesmo as alucinações. É de caráter antagônico a causa: versa-se sobre o ganho de um banho de realidade desmedida quando se impera a boçalidade em desconhecer o ralo mais próximo. Então, a secção é feita entre o real maciço e a ignorância de executar o fim, isto é, fazer uso do crivo da moral. A paranormalidade entra quando a massa do real se esvai. Afinal, a esperança é justamente a falta de competência para finalizar, sendo esta a fome escandalosa de vida que corrói as entranhas. Perdendo de vista todo o assunto verdadeiro que engolfa, ficarei com a esperança intacta: a peneira não me fará sucumbir à moralidade. Eis a cura. Dormir para acordar e acordar para dormir - e assim sucessivamente - só enquanto o piano não despenca no centro neural. É como ter a maçã e a iminência do pecado. Ser amoral incansavelmente durante todo o processo da existência por ganância à liberdade. E, depois, com tamanha câimbra por suportar o vazio do crivo – feita a lobotomia paranormal já descrita -, aplicar o conto-do-vigário; cuja ação se resume, de maneira exclusiva neste caso, a mergulhar em autenticidade ao contrário de banhar-se de. A partir disso, a estréia. Para ser vigarista há de ser moralista. É exatamente neste momento que a queda do piano acontece. Eis a saga do princípio do prazer & as curas temporárias. Tome esta maçã! Pequemos até o apocalipse!