quinta-feira, julho 31, 2008

Crazy Cock

''Tão obcecado ficou com o pensamento da sua impotência que acabou por fechar os olhos e entregar-se a um vôo de crueldade desumana, fantástica. Como um vivissecionista frio, ele se viu curvado sobre ela com um escalpelo na mão, separando a carne do cérebro, serrando o osso com mão firme até expor as circunvoluções do córtex, composto de massa cinzenta - esse delicado nódulo de mistério que ninguém é capaz de desenredar. Um riso frio, descontente, lhe escapou - o riso que só se ouve na solidão. Como seria o de um cão que pudesse compreender pilhérias humanas. Ele ficou a repetir para si mesmo fórmulas vazias dos livros de humor dos sábios. Que sabem explicar tudo o que existe no universo, inclusive o Todo-Poderoso, mas não a si mesmos. Eles mexem e remexem entranhas, fervem micróbios invisíveis, pesam o imponderável, extraem os sumos da raiva e do ciúme, analisam a composição dos planetas não maiores a olho nu que uma cabeça de alfinete - o mais difícil para eles é admitir que não sabem nada. Ou, se alguma vez o admitiram, sua linguagem era tão complicada e grandiloqüente que foi impossível crer neles. Ninguém poderia dizer tanto sobre coisa nenhuma quanto o homem que fingia tudo ignorar.''
Página 174, Crazy Cock - Henry Miller.

Aceita estes galhos mortos

Aceita estes galhos mortos

colhidos no cimento ácido.

Quiçá as solas dos pés

rachados

ajudam-me a fuga deste monólogo.

Doem em ti as rosas?

Perfuram-te as âncoras

de um amor que manifesta o labirinto?

Os caminhos dançando a valsa.

A cortesia da textura das pétalas

era para servir a tua raiva da entrega:

teu coração em vitrine.

A bailarina de mim te concedendo

a paralisia.

Tu estátua jacente,

revelando o desconhecido do imediato.

Que é preciso o abismo

tu nunca ousaste entender?

Que assim há o casamento

da eternidade com a respiração mortal

tu nunca ousaste sentir?

Se rosas não te enfeitam,

aceita estes galhos mortos

colhidos no cimento ácido.

Dissolverei o labirinto

ao declarar que me encontro perdida.

Não há qualquer rumo

quando se dorme os sentidos,

quando o silêncio de uma protagonista voz

sequer se ouve interpretando o seu papel.

Aceita estes galhos mortos.