domingo, dezembro 27, 2009

O meu vício em romances ingleses obscenos

“Ergueu o vestido de Constance acima dos seios e os beijou suavemente, sugando os bicos retesados.

-- Ah, Que bom, como é bom! – murmurou de súbito, esfregando o rosto em seu ventre com prazer.

Constance passou o braço ao redor do corpo dele, sob a camisa; mas tinha medo daquele corpo esbelto, liso e nu, que parecia tão possante; tinha medo de seus músculos violentos. Tinha medo.

Quando ele lhe disse, quase num suspiro, “Como é bom!”, qualquer coisa em Constance arrepiou-se e qualquer coisa em seu espírito retesou-se, pronta para a resistência – resistência àquela terrível intimidade física e à pressa de posse do macho. E dessa vez não se atordoou no êxtase agudo de sua própria paixão. Permaneceu alheia, com as mãos inertes ao redor do corpo do homem em movimento; e, por muito que fizesse, não podia evitar que seu espírito analisasse com frieza o que se ia passando; o movimento de vaivém daquelas coxas lhe parecia grotesco, como lhe pareceu risível o frenesi do pênis afobado ao chegar à sua pequena crise de ejaculação. O amor, então, aquilo? Aquele sobe-e-desce de nádegas? Aquele entra-e-sai do pobre pênis pequenino, insignificante, úmido? Amor, o divino amor! Afinal de contas, os modernos tinham razão em seu desprezo por essa comédia, porque aquilo era uma comédia. Bem dizia o poeta: “O Deus que criou o homem devia ter um sinistro senso de humor, para fazer dele uma criatura de razão e ao mesmo tempo obrigá-lo a essa postura grotesca – e também impeli-lo a, cegamente, desejar tão ridícula comédia.”

Frio, irônico, seu curioso espírito de mulher ficava alheio àquilo e, embora se conservasse perfeitamente imóvel, seu instinto a impelia a se erguer, escapar do homem e fugir àquele braço e às estocadas de pilão das ridículas ancas que a cavalgavam. Aquele corpo de homem era uma coisa absurda, desagradável, inacabada, impudente, grosseira. Quando a humanidade fosse mais evoluída, teria de suprimir tal comédia, eliminar semelhante “função”.

E, apesar disso, quando Mellors acabou e ficou em cima dela, tranqüilo e silencioso, num afastamento estranho, longe, tão longe dela, Constance começou a chorar em sua alma. Sentia-o refluir, refluir para longe dela, e abandoná-la como um seixo na praia. Mellors retirou-se, abandonava-a em espírito. Ela o sentiu.

-- Dessa vez falhou – disse ele. – Você esteve ausente.

Ele havia percebido! E ela chorou mais forte.”

Página 211-212, O amante de Lady Chatterley – D. H. Lawrence.

terça-feira, dezembro 15, 2009

Falsa Valsa

Tu confundiste os murros que dei na tua porta com a tua música que atingia, inclusive, os ouvidos do mendigo da calçada em frente à tua janela. Então, a cena: tu dançavas a valsa da vida enquanto eu socava a porra da madeira que impedia os meus olhos de se estenderem ao desatino dos teus.

Desde o primeiro momento em que eu resolvi te reparar, tua face pálida já condenava o teu sangue deficiente & opaco. Contudo, eu tenho o costume repulsivo de investigar o que excita o meu ódio. A faculdade da razão é condecorada somente nas situações em que a possibilidade de transgressão adverte o maior perigo. Fora esta condição, viver não passa de um acaso desmerecido. Em outras palavras, eu sinto fome da tua falta de fome. Construo uma pré-realidade, que não pode ser entendida invenção por justamente ser capaz de me saciar os ânimos como se numa sublimação, ao sonhar o pincel revelando a mentira do teu sistema nervoso.

Quero te ver ruborizar inteiro mesmo que para isso eu tenha que cometer o ato pueril de atribuir à tinta guache a função de sangue vivo. No entanto, guardei esta pré-realidade embaixo do travesseiro das insônias porque, escuta bem, já faz um tempo que o vermelho escorre das minhas mãos em punho. Tu sabes da merda que fizeste ao confundir os murros que dei na tua porta com a tua música que tocava alto, muito alto? Aposto que se tu tivesses me notado ali, quase desmontando a porta & a mim, tu poderias ruborizar essa tua cara nem que fosse por medo de mim. Nem que fosse por um ato de lamento à minha mania de lidar com o hoje unindo as minhas definições dicotômicas de pré-realidade & pós-realidade. A minha vida não cabe na seqüência patética dos pulmões: a minha vida não inspira para expirar e assim sucessivamente. Ou eu vivo numa espécie de vômito ou vivo asfixiada.

Eu queria fazer brotar na tua pele a sensação de incêndio. Eu queria que tu sentisses todas as realidades fincadas na tua cólera de se saber vivo. Porque viver dói, meu amor. Não se dança a valsa da vida, dança-se a falsa vida que nos toma entorpecendo os detalhes reais. E eu não sei mais sobre o que escrevo. Peço, por fim, que tu desculpes a minha coragem de ser & que tu continues infiltrado na tua música ensurdecedora. Guardarei o pré-amor por ti junto à pré-realidade: embaixo do travesseiro das insônias.