sexta-feira, julho 31, 2009

Birds; also: Birds, Fish-Snake and Scarecrow

(Max Ernst, 1921)

No copo, água mineral fluoretada e litinada ao invés de.

É possível, como num narcisismo crônico, olhar-se existindo quando os meses eram de data distante e, nesse influxo da memória, reconhecer-se no outro que ainda se é para, depois, abraçar com os olhos o espelho daquela dor?
(eu sou feita do sopro do vento)

Terça-feira, 29 de Julho de 2008

Censurei as muitas cadeiras sendo livres, o maior número de mesas reinando apenas um ou dois casais de garrafas de cerveja, os garçons conferindo as unhas ou agarrando o cansaço de não ir e vir com cardápios, pedidos, copos, cinzeiros e porções ao cruzarem os próprios braços.
Havia toda uma desventura em existir naquele domingo de inverno antártico, numa Augusta carnavalizada por desapegados enjaulados em raízes d’alma, amanhecendo a perdição nos balcões desesperados por lucro – o meu infortúnio abrindo e fechando os caixas.
E censurei alguns rostos que se portavam fielmente à altura da incompreensão de meus olhos ou do escândalo da freqüência dos cigarros na minha mão seguida do pulso sem o peso do relógio. A mão que não fossem o teu mindinho e polegar maiores ou não fosse o meu dedo médio avantajado seria de dimensão idêntica à tua, e os cigarros que não fosse a prontidão do isqueiro que me presenteaste seriam acesos pela combinação gás e faíscas de meu fogão. É certo – e moralmente inadequado – que continuo a desvida de meu tabaco por ti, mas tu pouco fazes noção que a minha ida à cozinha por suplício à ardência da chama era a esperança de me esbarrar contigo pelo corredor.

Incompatibilidade de Gênios

''Dotô, jogava o Flamengo, eu queria escutar.
Chegou, mudou de estação, começou a cantar.
Tem mais: um cisco no olho, ela em vez de assoprar, sem dó falou que por ela eu podia cegar.
Se eu dou - um pulo, um pulinho - um instantinho no bar...Bastou!
Durante dez noites me faz jejuar!
Levou as minhas cuecas pro bruxo rezar!
Coou meu café na calça prá me segurar!
Se eu tô devendo dinheiro e vem um me cobrar...
Dotô, a peste abre a porta e ainda manda sentar!
Depois, se eu mudo de emprego que é prá melhorar, vê só, convida a mãe dela prá ir morar lá!
Dotô, se eu peço feijão... ela deixa salgar.
Calor, mas veste o casaco prá me atazanar!
E ontem, sonhando comigo, mandou eu jogar no burro...
E deu na cabeça a centena e o milhar!
Ai, que-ro-me-se-pa-rar"
(João Bosco e Aldir Blanc, 1976)
Incompatibilidade de Gênios: o meu com o do mundo.

quinta-feira, julho 09, 2009

Envelope eletrônico para Luís Lima

"melhor viver, meu bem, pois há algum lugar em que o sol brilha pra você
chorar, sorrir também e dançar... dançar na chuva quando a chuva vem"
Cordão umbilical une a certeza de almas para sempre. E, sabe, acho que temos, você e eu, coração-bilical. Ou algo que o valha e que sirva pra dizer sobre a posse de um 'coiso' que pulsa a mesma alegria de viver e de morrer & todos os outros fundos dos mundos. Meu grande pequeno Lu de lua e Lu de luz, tão energia pululante, tão crescente, tão minguante, tão cheio, tão novo (& velho). O Lu do aniversário de dezessete anos que eu deixei pra lá pra me desculpar os pecados indo à aula que de nada valia. Nem nunca valeu pois sempre o que vale é o que é capaz de entrar em sintonia. E tudo volta pra ti e pra mim. É sintonia incrível num universo paralelo do Tim. Sim, sintonia sem fim: assim - quase indecifrável e quase indescritível se não fôssemos poetas. Não obstante, já que o somos, inventamos além do que no real cabe pois sabemos que nunca suportaremos o que cabe tímido nas horas, nos ternos, nas imagens em movimento. Caber o que foge os sentidos nos é destino desde que ser é sendo e que sendo acabamos no somos do cosmos. O que quero que teus olhos me aconteçam como ponte para o surrealismo do teu aparelho pensante & almístico é justamente que o amor que você, neste exato instante, caminha com os teus 360º das pupilas é muito maior aqui - de célula em célula - sendo, quando ele só é. Por isso, peço - escorregando em gotas - que não pare a dança. Que exista nos mesmos quatro céus que o meu grito rebelde porque desse modo posso com a fossa sul-matogrossense (essa faz rima, ironia!, com circense), paulista, curitibana, pré-parisiense.
(te amo tanto que só dói porque é bonito em covardia - de tão muito, assaz e em demasia)

quinta-feira, julho 02, 2009

2 & 3

O punho no duro da mesa
E a pétala morta cai de cabeça
Se gravidade tivesse altura
A rosa ainda vive na angústia
'Que sem água existe às avessas
Sendo mistério p’ro detetive das certezas
Outro sem por que
É o início dos indícios
Que pra ela é discurso depois luxo
E pra ele é de nota sem papel
Sanfona indo e vindo p’ras cinturas do bordel
Satírica, lírica, quase sacra e estúpida
É a poesia que serve de broquel
Do ar pulmões e alvéolos
Dos dedos corda e véu
Da voz o que vem sai de mim feito fim
Que sem sim é assim
Meio não, meio de sentimento em gira-pião
Que tonteia em função de sentimento
Que direciona os olhares vesgos no segundo lento
O que é morrer para viver
Se a vida endurece se o tempo,
Ao invés de parar, só faz correr?
O que é a vida do ser
Se não se é só
Se só se é dois e três?