domingo, novembro 30, 2008

4 horas & estômago: mais um ensaio

Não farei uso de palavras rebuscadas. Tampouco da prolixidade. Com o propósito de aniquilar as referências, deixei inclusive a minha individualidade ao lado do dicionário, ambos posicionados no leito do meu pouco sono. A cama que, embora os lençóis tenham sido lavados e relevados, registra – ainda - o ar do conhaque vindo da tua boca estúpida, por vezes malcriada. Sei que a culpa da tua mediocridade não veio do útero de quem te suporta, quiçá a tua existência fora de fato um mau agouro para o mundo. Não farei insinuações pouco confiáveis; as metáforas se cansaram de mim. Desamarrarei os cadarços de olhos fechados, sem risco de me prosar um fenômeno instintivo. Pendurarei o casaco das mangas ¾ na cadeira em frente – tua suposta residência - neste Vanilla Cafee, como se tu tivesses fugido para resolver as tuas vontades fisiológicas ou para fumar cigarros em outro ambiente, sendo que a escolha da mesa nunca deixou de ser na área de fumantes. Ao invés de cervejas belgas ou canadenses, a garçonete trará chá de maçã com canela. Na cena coadjuvante, de foco míope, humanos sentarão famintos ou sedentos, abastecerão os vícios mesquinhos, tornarão a ausentar-se para que outros repitam sucessivamente os entusiasmos supracitados. Manterei as pernas cruzadas e intactas, fazendo pouco caso das dormências musculares, as mãos atadas uma a outra, a face fechada, os cabelos trançados e a nuca nua – que é para sabotar a queima corporal cuja tomada se dá durante o preparo para deixar de te ser. Quando o regime elabora novas leis, não há quem escape de punições. Então inventarei cláusulas que explicarão sofrimentos de outra estirpe. Atirarei os meus corações nas capas sem porquês das revistas, de modo a anoitecer sendo conteúdo de qualquer inédita notícia. Investirei o meu cansaço anulando o meu saldo bancário com fugas para garagens de rock, para botecos cheirando a meretrizes, para quartos de anônimos, para avenidas de mão dupla. É simples elaborar diagnósticos quando se sofre de todas as doenças sentimentais. Falsificarei portfólios artísticos com a finalidade de surpreender os espelhos. Tu foste a diferença universal dos eus que outrora, passado meses a fundo, definiam-se; tu provocaste a minha usual instabilidade emocional. Quem se é de forma exagerada, clama por terras devastadas & frutos proibidos. Devo ter atingido o exílio de mim quando entreguei a minha insônia a ti. É nítida a minha falta do que fazer com as muitas roupas que deixaste espalhadas em minha casa - vestuários que nunca me serviram nem nunca me protegeram do inverno. Os meus lábios rachados comprovam a ansiedade afagada com cigarros & issos & aquilos. Realmente; é desdenhoso todo o esboço que demora a ser arte finalizada. Acontece que toda esta exposição é o máximo do meu pós-modernismo. Comprarei rosas brancas e as distribuirei aos indigentes, serei Maria das Dores, lerei a literatura alemã de cabo a rabo, serei Joana D’Arc, levantarei o dedo às teorias psicológicas, serei Lou Salomé, usarei três colares no lugar de um, serei de Beauvoir, farei as unhas em lua cheia, serei uma virgem, apreciarei vinhos chilenos da safra de antes de Cristo, serei Anaïs Nin, morarei em hotéis impessoais, serei desconhecida, afogarei os diários no Rio Nilo. Por fim, farei uso de outras incansáveis noites, das descabidas manhãs, da vida que segue sem rumo para, talvez, não mais desmentir os primeiros dois períodos que abriram as falsas cortinas deste mais outro ensaio. Não farei uso de palavras rebuscadas. Tampouco da prolixidade. Balela!