sexta-feira, novembro 14, 2008

O Retrato dos Hojes

O hábito da maestria dos pés cujo entendimento máximo é o do recuo. O retrocesso que mesmo cega, que mesmo manca, que mesmo nula, que mesmo chuva eu sou capaz de levar a efeito. Da faculdade ao ponto. Cinco a vinte minutos (se por volta das sete, oito da noite, vinte minutos é pouco): o ônibus. O Ana Rosa veio para o desabrochar. Subo a Cardoso de Almeida com a face enfiada no vidro da janela da condução.

A cada parada, a cada introdução de gente - cada vez mais gente - no veículo, entro mais a cara no vidro e o nariz achatando e o olho direito esmagando e o pavor - preferia o susto - vindo, vindo. Como se o vidro fosse o abraço materno. Um acalento para o temor da impessoalidade que satura o espaço andante. O medo do próprio é o que eles têm. Eu tenho medo da impropriedade em ser deles. Os humanos não mais se olham. Fogem das olheiras do próximo que é para não se perceberem exaustos iguais. Com uma das mãos agarram firme as suas pastas e bolsas ao terno e tailleur; com a que lhes resta, o suporte que evita mais outro desequilíbrio e, então, vivem a solidão lotada - esta outra uma também desequilibrada. Enquanto a minha cara amarrotada.

Enquanto, estendida a Cardoso até o extremo de sua extensão, o engarrafamento da Dr. Arnaldo lhes comem e torram a paciência e me remete a um desconforto cotidianizado - tanto pela posição, tanto pela falta de caber. E é assim durante a travessia do túnel para a Avenida Paulista. E é assim na Avenida Paulista. E acaba de ser assim quando vou me desamarrotando para descer no ponto em frente ao Conjunto Nacional. Em terra firme ou quase, desejo-lhes coragem para seguir viagem com as suas economias ontológicas exageradas numa espécie de piedade, Senhor. Curo pavores com compaixão, eis uma verdade nada dialética.

Agora é esperar na calçada uns três minutos para o farol de pedestre me permitir passagem. Vão carros e motos, vão para bem longe de mim! Já do outro lado da Paulista, sigo reto até a Haddock Lobo, passando pelo inferninho tumultuoso da Augusta, desço a Luis Coelho e viro à esquerda da Antônio Carlos. Mais trinta e sete passos largos e o zelador, Seu João, abre a porta principal. Hall de entrada e a porta do apartamento Dois - assim, bem perto, no térreo. O retrocesso costumeiro que me leva a outros mil em matéria de pensamento. O canto inseguro da minha ousadia em ser nua, verborrágica barata e crua de vincos e dobras na face com, sim, olheiras. Mas olheiras de vidro. Vida que não é um abraço materno.