terça-feira, novembro 11, 2008

Nosso tempo

_________________________________''(...)II Esse é tempo de divisas, tempo de gente cortada. De mãos viajando sem braços, obscenos gestos avulsos. _________________________________ Mudou-se a rua da infância. E o vestido vermelho vermelho cobre a nudez do amor, ao relento, no vale. _________________________________ Símbolos obscuros se multiplicam. Guerra, verdade, flores? Dos laboratórios platônicos mobilizados vem um sopro que cresta as faces e se dissipa, na praia, as palavras. _________________________________ A escuridão estende-se mas não elimina o sucedâneo da estrela nas mãos. Certas partes de nós como brilham! São unhas, anéis, pérolas, cigarros, lanternas, são partes mais íntimas,e pulsação, o ofego, e o ar da noite é o estritamente necessário para continuar, e continuamos. _________________________________ (...)IV É tempo de meio silêncio, de boca gelada e murmúrio, palavra indireta, aviso na esquina. Tempo de cinco sentidos num só. O espião janta conosco. _________________________________ É tempo de cortinas pardas, de céu neutro, política na maçã, no santo, no gozo, amor e desamor, cólera branda, gim com água tônica, olhos pintados, dentes de vidro, grotesca língua torcida. A isso chamamos: balanço. _________________________________ No beco, apenas um muro, sobre ele a polícia. No céu da propaganda aves anunciam a glória. No quarto, irrisão e três colarinhos sujos. _________________________________ (...)'' _________________________________ Nosso tempo in A rosa do povo - Carlos Drummond De Andrade