quarta-feira, agosto 06, 2008

Cem anos de solidão

'' -- Que ninguém tenha ilusões - gritou, para que a ouvisse Fernanda. - Amaranta Buendía se vai deste mundo como veio.
Não voltou a se levantar. Recostada em almofadões, como se na verdade estivesse doente, teceu as suas longas tranças e enrolou-as sobre as orelhas, exatamente como a morte lhe dissera que deveria estar no ataúde. Em seguida perdiu a Úrsula um espelho e pela primeira vez em mais de quarenta anos viu o seu rosto devastado pela idade e pelo martírio e se surpreendeu do quanto se parecia à imagem mental que tinha de si mesma. Úrsula compreendeu pelo silêncio da alcova que tinha começado a escurecer.
(...) A sua lucidez, a habilidade para se bastar a si mesma, faziam pensar que estava naturalmente vencida pelo peso dos cem anos mas, embora fosse evidente que andava mal da vista, ninguém suspeitou que estivesse completamente cega. Dispunha então de tanto tempo e de tanto silêncio interior para vigiar a vida da casa que foi ela a primeira a perceber a calada angústia (...).''
Página 250 e 251, Cem anos de solidão - Gabriel García Márquez.